domingo, 10 de junho de 2012


- “A luta difícil
        
              Um mestre zen, ao saber que um de seus discípulos não comia nada havia três dias, perguntou-lhe as razões desse jejum.

 – Estou tentando lutar contra o meu eu – disse o discípulo.
              – É difícil – disse o mestre balançado a cabeça. – E deve ser ainda mais difícil com um estômago vazio.”

Quem sou eu? A alegria é minha?

Foi solicitado que se falasse sobre as emoções, em especial a alegria. Gostaria de abordar o tema sobre um ponto de vista diferente do comum e discutido por poucos. Na realidade,  quero apresentar o seguinte questionamento: o Eu existe? Há alguma prova concreta de que exista o Eu? Em oposição, as emoções existem sim, mas pode-se dizer que trata-se "da minha alegria" ou "sua tristeza" ou elas apenas ocorrem sem um centro que identifiquem sua posse? Quem seria esse Eu que se diz dono das emoções?

Minha tese é: o pensamento, conforme muitas pesquisas comprovam, existe, enquanto impulso nervoso, provocado por reações eletroquímicas de campos neurais (grupo ou rede de neurônios), porém, seu resultado ou produto, pode ou não existir. Por exemplo, pensamentos podem produzir uma imagem de um dinossauro ou um monstro embaixo de sua cama, mas isso, de nenhuma forma prova que dinossauros ou monstros embaixo de sua cama existam. Ou seja, um teste cerebral pode facilmente provar que sim, ocorreu um ou vários pensamentos no cérebro do indivíduo, que teve essas imagens, todavia, as imagens em si estão muito longe de serem realidade e, sim, muito mais próximas do sonho ou ilusão, mesmo que o indivíduo esteja acordado. Da mesma forma, não fui eu que fiquei alegre ou tive raiva dessa ou daquela pessoa. Isso é um grande mal entendido provocado por nossa educação, que desde o primeiro ano de vida nos atribui um nome e nos conta que Eu seria separado de você e eu sou alguém, aqui, enquanto escrevo, separado de você leitor, aí, e todos os outros leitores possíveis, essa é uma ilusão bem elaborada pela mente (aqui significando o conjunto de pensamentos e o eu).

Da mesma forma, quem afirma a frase celebre "penso, logo existo" é um pensamento, portanto, o EU, oculto dessa frase, é o resultado de seu pensamento e não o pensamento em si! A alegria acontece no corpo-mente e o pensamento que atesta essa "é minha alegria" é um segundo pensamento, posterior a ocorrência da alegria, mesmo que meio milésimo de segundo depois  (essa rapidez é, inclusive, um dos motivos da confusão ou, segundo alguns, a brincadeira divina) Na realidade o Eu é algo ensinado à criança que vai sendo educada e aprende uma linguagem inerente ao discurso do "eu isso" ou "eu aquilo", mas o Eu não aparece sozinho na mente. O eu é como o monstro embaixo da cama. Tanto é, que não existe uma única pesquisa científica sequer que prove a existência do Eu. "No mundo da neurociência não há um eu que possa ser determinado em algum lugar do mapa cerebral. E, por essa razão, o eu não existe. Ele não pertence às partes constitutivas básicas do cérebro.", conforme concorda Precht em seu livro "Quem sou eu?".

Pode-se detectar, no cérebro, por meio de testes de neuro imagem, a área das emoções, da fala, do olfato ou até mesmo da razão, mas nunca, em tempo algum, uma área do eu foi descoberta. "Já no século XIX, o famoso anatomista Rudolf Virchow se divertiu ao esconjurar o eu dos filósofos, ao dizer: “Seccionei milhares de cadáveres, mas nunca encontrei uma mente.”" (idem Precht 2009).

Embora a impressão que as pessoas tenham, seja "eu é que pensei sobre aquela casa" ou fui "eu quem tive aquela alegria", na realidade, quem pensa não é o tal Eu. Na verdade, quem executa a tarefa do pensamento é o cérebro. Diz o filósofo indiano J. Krishnamurti "O pensamento cria o pensador, não o contrário. O pensador não cria o pensamento, pois, senão há pensamento, não há pensador. (...) Senão houver pensamento, não pode haver pensador".

Existe na Índia a corrente filosófica religiosa chamada Advaita que significa "não dois" ou "não há separação" (tradução mais aceita do indiano) que afirma que não existe separação entre eu e você, eu e os outros, a não ser na ilusão dos pensamentos. Assim, sujeito e objeto, aqui e ali, são conceitos gerados pela mente, em especial, pela elaboração da linguagem que produz os conceitos e dá nome as coisas e pessoas. Incluindo os conceitos de tempo e espaço são objetos da mente e não tem lugar no mundo real. Para o Advaita, as emoções e os sentidos do corpo são reações naturais e exclusivamente produzidas pelo corpo-mente como reações a estímulos externos ou internos, mas o centro individualizado do eu nada tem a ver com isso. Essa manifestação tem o mesmo valor que o desabrochar de uma flor ou a explosão da bomba atômica. O Advaita fala que a dualidade (noite/dia, dor/prazer etc.) são as manifestações, mas só acontecem na unidade infinita, que permite e abrange todos os acontecimentos, visíveis ou não. Enquanto o eu estiver na jogada, ele olha apenas para o dois ou dualidade e tenta se apossar de todas as experiências, manter o prazer e afastar o sofrimento.

O convite aqui é para se perceber essa unidade além da dualidade, mas que engloba tudo, inclusive você pensando que o eu existe e a vida pode ser melhorada através do esforço. Veja bem, isso não é uma proposta hedonista ou que pregue a fuga dessa ou daquela situação ruim. A ideia é, veja que não tem você, nem eu, nem ninguém, a não ser na ilusão. Lembra do monstro embaixo da cama...ele não existe

Alegria e tristeza, medo e segurança, raiva e tranquilidade ganham outra dimensão. O antigo detentor dos benefícios da alegria ou desvantagens do medo como "eu estou me sentindo culpado" deixa de existir, porque o sujeito que detinha a emoção já não existe, na realidade, nunca existiu! Muitos chamam isso da tão buscada, por algumas pessoas, iluminação, gosto de chamar de “Liberação" como propõe Tony Parsons ou "Vida sem um centro" de Jeff Foster. E caso alguém pergunte - E o que eu ganho com isso? Devo responder - aqui a proposta é a morte do eu ou a percepção de que você não existe, a não ser em pensamento, no sonho, ilusão. Portanto, desculpe dizer assim, mas você não ganha nada, na realidade, você perde o maior dos seus investimentos até hoje, o Eu. Esse some, você, desaparece. Experimente, ou melhor, deixe essa percepção da realidade tomar conta. Portanto, veja o paradoxo e fique com a pergunta - Você realmente existe? Quem é você?, conforme convida Satyaprem em seus encontros e livro. Proponho que o infinito é imperativo e nele as manifestações de todas as emoções possíveis, como alegria e medo, afloram da maneira mais intensa e bonita e o eu é totalmente irrelevante e desnecessário. Mas a isso, posso apostar, você reagirá dizendo - eu não acredito nisso!

GUILHERME ARANHA COELHO

Bibliografia

CARRIÈRE, Jean-Claude. O círculo dos mentirosos: contos filosóficos do mundo inteiro. S. Paulo. Códex, 2004.

KUPERMANN, Daniel / Souza, Ramon. Mente e cérebro. Emoções. Alegria. S. Paulo. Ed. Duetto, 2010.

PRECHT, Richard David. Quem sou eu? E, se sou, quantos sou? Uma aventura na filosofia. S. Paulo. Ed. Ediouro, 2009

KRISHNAMURTI, Jiddu. O que você está fazendo com a sua vida? Passagens selecionadas sobre as grandes questões que nos afligem. Rio de Janeiro. Ed. Nova Era, 2010.

PARSONS, Tony. O Segredo Aberto. Mogi das Cruzes. Iluminata, 2010.

SATYAPREM. Você é o Buda. Satsang com Satyaprem. Porto Alegre. Ed. do autor, 2011.

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