- “A luta difícil
Um mestre zen, ao saber que um de seus
discípulos não comia nada havia três dias, perguntou-lhe as razões desse jejum.
– Estou
tentando lutar contra o meu eu – disse o discípulo.
– É difícil – disse o mestre balançado a
cabeça. – E deve ser ainda mais difícil com um estômago vazio.”
Quem sou eu? A
alegria é minha?
Foi solicitado que se falasse sobre
as emoções, em especial a alegria. Gostaria de abordar o tema sobre um ponto de
vista diferente do comum e discutido por poucos. Na realidade, quero
apresentar o seguinte questionamento: o Eu
existe? Há alguma prova concreta de que exista o Eu? Em oposição, as emoções existem sim, mas pode-se dizer que
trata-se "da minha alegria" ou "sua tristeza" ou elas
apenas ocorrem sem um centro que identifiquem sua posse? Quem seria esse Eu que se diz dono das emoções?
Minha tese é: o pensamento, conforme
muitas pesquisas comprovam, existe, enquanto impulso nervoso, provocado por
reações eletroquímicas de campos neurais (grupo ou rede de neurônios), porém,
seu resultado ou produto, pode ou não existir. Por exemplo, pensamentos podem
produzir uma imagem de um dinossauro ou um monstro embaixo de sua cama, mas
isso, de nenhuma forma prova que dinossauros ou monstros embaixo de sua cama
existam. Ou seja, um teste cerebral pode facilmente provar que sim, ocorreu um
ou vários pensamentos no cérebro do indivíduo, que teve essas imagens, todavia,
as imagens em si estão muito longe de serem realidade e, sim, muito mais
próximas do sonho ou ilusão, mesmo que o indivíduo esteja acordado. Da mesma
forma, não fui eu que fiquei alegre
ou tive raiva dessa ou daquela pessoa. Isso é um grande mal entendido provocado
por nossa educação, que desde o primeiro ano de vida nos atribui um nome e nos
conta que Eu seria separado de você e
eu sou alguém, aqui, enquanto
escrevo, separado de você leitor, aí, e todos os outros leitores possíveis,
essa é uma ilusão bem elaborada pela mente (aqui significando o conjunto de
pensamentos e o eu).
Da mesma forma, quem afirma a frase
celebre "penso, logo existo" é um pensamento, portanto, o EU, oculto dessa frase, é o resultado de
seu pensamento e não o pensamento em si! A alegria acontece no corpo-mente e o
pensamento que atesta essa "é minha alegria" é um segundo pensamento,
posterior a ocorrência da alegria, mesmo que meio milésimo de segundo depois
(essa rapidez é, inclusive, um dos motivos da confusão ou, segundo
alguns, a brincadeira divina) Na realidade o Eu é algo ensinado à criança que vai sendo educada e aprende uma linguagem
inerente ao discurso do "eu
isso" ou "eu aquilo",
mas o Eu não aparece sozinho na
mente. O eu é como o monstro embaixo
da cama. Tanto é, que não existe uma única pesquisa científica sequer que prove
a existência do Eu. "No mundo da neurociência não há um eu
que possa ser determinado em algum lugar do mapa cerebral. E, por essa razão, o
eu não existe. Ele não pertence às partes constitutivas básicas do
cérebro.", conforme concorda Precht em seu livro "Quem sou eu?".
Pode-se detectar, no cérebro, por
meio de testes de neuro imagem, a área das emoções, da fala, do olfato ou até
mesmo da razão, mas nunca, em tempo algum, uma área do eu foi descoberta. "Já no século XIX, o famoso anatomista
Rudolf Virchow se divertiu ao esconjurar o eu dos filósofos, ao dizer: “Seccionei
milhares de cadáveres, mas nunca encontrei uma mente.”" (idem Precht
2009).
Embora a impressão que as pessoas
tenham, seja "eu é que pensei
sobre aquela casa" ou fui "eu
quem tive aquela alegria", na realidade, quem pensa não é o tal Eu. Na verdade, quem executa a tarefa do
pensamento é o cérebro. Diz o filósofo indiano J. Krishnamurti "O pensamento cria o pensador, não o
contrário. O pensador não cria o pensamento, pois, senão há pensamento, não há
pensador. (...) Senão houver pensamento, não pode haver pensador".
Existe na Índia a corrente filosófica
religiosa chamada Advaita que
significa "não dois" ou
"não há separação"
(tradução mais aceita do indiano) que afirma que não existe separação entre eu
e você, eu e os outros, a não ser na ilusão dos pensamentos. Assim, sujeito e
objeto, aqui e ali, são conceitos gerados pela mente, em especial, pela
elaboração da linguagem que produz os conceitos e dá nome as coisas e pessoas.
Incluindo os conceitos de tempo e espaço são objetos da mente e não tem lugar no mundo real. Para o Advaita, as emoções e os sentidos do
corpo são reações naturais e exclusivamente produzidas pelo corpo-mente como
reações a estímulos externos ou internos, mas o centro individualizado do eu nada tem a ver com isso. Essa
manifestação tem o mesmo valor que o desabrochar de uma flor ou a explosão da
bomba atômica. O Advaita fala que a
dualidade (noite/dia, dor/prazer etc.) são as manifestações, mas só acontecem
na unidade infinita, que permite e abrange todos os acontecimentos, visíveis ou
não. Enquanto o eu estiver na jogada,
ele olha apenas para o dois ou dualidade
e tenta se apossar de todas as experiências, manter o prazer e afastar o
sofrimento.
O convite aqui é para se perceber
essa unidade além da dualidade, mas que engloba tudo, inclusive você pensando
que o eu existe e a vida pode ser
melhorada através do esforço. Veja bem, isso não é uma proposta hedonista ou
que pregue a fuga dessa ou daquela situação ruim. A ideia é, veja que não tem
você, nem eu, nem ninguém, a não ser na ilusão. Lembra do monstro embaixo da
cama...ele não existe
Alegria e tristeza, medo e segurança,
raiva e tranquilidade ganham outra dimensão. O antigo detentor dos benefícios
da alegria ou desvantagens do medo como "eu estou me sentindo culpado" deixa de existir, porque o
sujeito que detinha a emoção já não existe, na realidade, nunca existiu! Muitos
chamam isso da tão buscada, por algumas pessoas, iluminação, gosto de chamar de “Liberação"
como propõe Tony Parsons ou "Vida
sem um centro" de Jeff Foster. E caso alguém pergunte - E o que eu
ganho com isso? Devo responder - aqui a proposta é a morte do eu ou a percepção de que você não
existe, a não ser em pensamento, no sonho, ilusão. Portanto, desculpe dizer
assim, mas você não ganha nada, na realidade, você perde o maior dos seus
investimentos até hoje, o Eu. Esse some,
você, desaparece. Experimente, ou melhor, deixe essa percepção da realidade
tomar conta. Portanto, veja o paradoxo e fique com a pergunta - Você realmente existe?
Quem é você?, conforme convida Satyaprem em seus encontros e livro. Proponho
que o infinito é imperativo e nele as manifestações de todas as emoções possíveis,
como alegria e medo, afloram da maneira mais intensa e bonita e o eu é totalmente irrelevante e
desnecessário. Mas a isso, posso apostar, você reagirá dizendo - eu não acredito nisso!
GUILHERME ARANHA COELHO
Bibliografia
CARRIÈRE, Jean-Claude. O círculo dos mentirosos: contos
filosóficos do mundo inteiro. S.
Paulo. Códex, 2004.
KUPERMANN, Daniel / Souza, Ramon. Mente
e cérebro. Emoções. Alegria. S. Paulo. Ed. Duetto, 2010.
PRECHT, Richard David. Quem sou eu? E, se sou, quantos sou? Uma aventura na filosofia. S.
Paulo. Ed. Ediouro, 2009
KRISHNAMURTI, Jiddu. O que você está fazendo com a sua vida? Passagens selecionadas sobre as
grandes questões que nos afligem. Rio de Janeiro. Ed. Nova Era, 2010.
PARSONS, Tony. O
Segredo Aberto. Mogi das Cruzes. Iluminata, 2010.
SATYAPREM. Você é o Buda. Satsang com Satyaprem. Porto Alegre. Ed. do autor, 2011.
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